Convidamos a querida Carol Patrocínio para trazer sua perspectiva sobre nosso desfile no SPFW. Em momentos especiais, buscamos convidar parceiros para que analisem com uma visão “de fora” alguma atividade ou evento realizado por nós.

Carol é amiga de longa data, ja contribuiu conosco em um projeto colaborativo e independente que tínhamos há 8 anos, o portal “Noiz”. Atualmente ela divide seu tempo escrevendo para diversas publicações sobre assuntos relacionados ao mundo feminino e ao feminismo, como o Ondda e o seu canal no Medium, além de dar consultoria a negócios que querem falar com as mulheres. É também uma das fundadoras da Comum, uma comunidade de e para mulheres. Carol esteve no nosso desfile no SPFW e é dela o texto que você confere abaixo.

Por Carol Patrocínio

A moda, como todas as artes, é sobre pessoas. De que adianta uma musica que não é ouvida, um texto não lido, uma escultura escondida ou um quadro sob um pano? A quem toca? Com a moda é igual: de que adiantam peças sem corpos? Roupas que não fazem brotar brilho no olhar ou a expectativa de serem vestidas?

Até o começo desta semana, o São Paulo Fashion Week era esse evento que não fazia brilhar os olhos de grande parte das pessoas. Nem todos são brancos, magros, altos, com traços europeus. E o que as passarelas diziam era que as roupas ali apresentadas tinham destino a essas pessoas. Não mais.

Pela primeira vez, em 2016, mais de 10 anos depois do meu primeiro SPFW, entrei no evento me sentindo em casa. Olhei ao redor e vi pessoas que se pareciam comigo em maior ou menor grau. Pessoas que também estavam surpresas por estarem se sentindo em casa. Ninguém precisa dizer com todas as letras que um espaço não é seu, basta organizá-lo de uma maneira que passe esse recado.

Quantas pessoas negras estiveram em lugar de destaque em toda a história do evento? Quantas pessoas gordas? Quantas pessoas das periferias? Quantas pessoas ali pegam um, dois, três ônibus para chegar e ocupar um lugar “importante” aos olhos do resto do mundo? Quantas pessoas ali que se parecem com você foram notícia até hoje?

Foi ali, sentada em uma sala escura, que vi olhos brilhando. Foi ao entrar a primeira modelo negra que vi mulheres acreditando mais em si. Foi aos gritos de aprovação que entraram as modelos gordas. Gordas de verdade, não com sobrepeso. Gordas ao ponto de não conseguirem trabalho na Semana de Moda Plus Size. Mas ali tinha espaço.

 

Foto: Ze Takahashi / FOTOSITE  

Dizem:

Mas a moda se aproveita das pessoas

O mercado de consumo faz mal

O capitalismo vai nos destruir

Agora? Na vez de quem sempre sentou na frente da televisão de cachorro e assistiu o frango girando sem poder sentir o gosto? É só hoje, quando quem não tinha acesso a nada, chegou, que vamos começar essa discussão?

A moda se aproveita das pessoas. Mas não seria também ela um grito de resistência como foi com o hip-hop nos Estados Unidos, como mostra o documentário Fresh Dressed?

O mercado de consumo faz mal. Mas não seria uma maneira de mudar essa relação com o consumo e o consumismo oferecer peças que não vão se desfazer depois de três vezes que suas coxas roçarem uma na outra quando você anda? Peças que caibam no seu corpo sem você sentir a costura esgarçando?

O capitalismo vai nos destruir. E todos nós concordamos com isso, principalmente quem já se sentiu destruído durante uma vida inteira por, além de não ter grana para participar, não se ver ali. Subverter a lógica do capital é revolução. Se o sistema se baseia em exploração, vamos mudar. Se ele se fortalece com a exclusão, vamos incluir. Subversão: o LAB sabe do que está falando.

Falar do desfile sem ser olhando pela emoção me pareceu impossível. Porque ali não se fez apenas moda, se fez história. Ali não apenas foram colocadas pessoas em destaque, vidas foram transformadas. É de um egoísmo sem fim falar sobre dinheiro quando estamos olhando para vidas. Fortalecer quem sempre foi enfraquecido vale muito mais do que uma nota de cem.

Em termos jornalísticos, foi um espetáculo com moda, celebridades, música e novos pontos de vista.

Em termos humanos, foi um espetáculo com João Pimenta, Seu Jorge na passarela, Emicida na trilha sonora, Fióti fazendo a coisa andar e a equipe do Laboratório Fantasma, formada por pessoas incríveis, sendo, mais uma vez, vanguarda.

Para falar de moda tem um monte de link por aí. Por aqui a gente fala do que sabe: de olho brilhando, sorriso no rosto, alegria ao ver o reflexo no espelho e certeza de que o mundo vai ser melhor por um motivo simples: a gente tá fazendo o corre pra isso.

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